- porque dessa fruta eu chupo até o caroço! -

Thursday, May 03, 2007

Vida atrevida

Estou num dilema. Tenho 25 anos, sou carioca morador da Tijuca, e quero dividir minha culpa com todos os cúmplices da agonia. Por uma mulher. Por duas. A insatisfação momentânea, que revela-se na contradição de amar e não mais amar ou no azar de amar duas mulheres ao mesmo tempo, acaba por unir em proporções variadas os mais diferentes tipos de, digamos, eternos amantes. Geralmente, estes seres românticos e pregadores da relação sincera e carinhosa, estes pobres enganados que esperam pela princesa infalível e reciclável, estes sonhadores, somos nós cancerianos. Alheios aos anseios populares pela divindade sexual, quando nos deparamos com Déboras ou Lúcias, simplesmente bloqueamos a ousadia carnal através de decretos-lei que exigem a “permanência da felicidade, a invariabilidade da paixão”. Nós, encaramos dilemas amorosos por sermos, ao mesmo tempo, ansiosos e incrivelmente melosos no amor; volúveis e totalmente apaixonados na relação; excêntricos e claramente submissos a mulheres extraordinárias.
Desordenadamente, com o passar dos meses, fui aprendendo a curtir e cultivar a vontade de ser um eterno amante. Assim, dividiria meu tempo entre doces mulheres sensíveis, e garotas quase-putas, freqüentes nos bares do meio universitário. Convivia comigo, nesta mesma época, Lúcia: a estagiária da sala ao lado da biblioteca da faculdade. Como eu fazia Relações Públicas, lia bastante acerca dos mais variados temas, como política, filosofia e teatro. Às sextas feiras, no entanto, passava por ela com olhares intencionados, cheios de tesão e euforia. Das primeiras vezes me ignorava, sem me deixar saber o que estava achando daquele chamativo cortejo. Enquanto não se fizesse pronunciar, não largaria mão daquele simbólico convite ao encontro boêmio dos alunos, no bar próximo ao espaço acadêmico. E, no esperado momento, Lúcia insinuou, quando já verídica a recíproca, que precisava comer antes de mais nada. “Essa bebe”, pensei rapidamente. Logicamente, convidei-a para almoçar e três horas depois, bebendo, eu já olhava para sua carne como quem não tem mãe; desalmado e brutal, senti a fonte do prazer embaixo dos meus olhos, e calmo, toquei violão ao espírito da bossa, de Cazuza, seduzindo-a sorrateiramente e, objetivo, já deixando a música de lado, beijando-a. Aos amigos do bar a inveja fez-se presente. Beijei-a e a descabelei a tarde inteira, e bebemos quase um engradado, conversando sobre a vida como personagens de um filme de Wood Allen.
No período seguinte, a semana de provas me afastaria de mais festas e contas no bar. Além disso, não via mais Lúcia em função do troca-troca de horários, de modo que escassearam nossos encontros pela faculdade. Terminadas as provas, como não voltar ao combate efetivo e objetivo? Então, como passe de mágica, me reaparece Débora.....
No 3o período, fiz um show com uma banda, no auditório da faculdade, pretendendo levantar o ânimo da galera contra os problemas de greve e desentendimentos políticos. Nesta apresentação tocamos rock e heavy metal, mas também músicas populares alegres. Como de costume, comentava sobre as greves quando, logo de trás, surge uma garota baixa e bonita querendo subir ao palco para falar. Eu, já um alcoolizado empolgado, desci na platéia e a trouxe junto aos meus braços para o palco. No meio do seu discurso, via seus seios pendentes sacudirem-se lentamente, suas mãos movimentarem-se junto ao falatório pertinente; e, com mais audácia, verifiquei a curvatura que ligava as costas a sua bunda empinada. Aquela mulher era um furacão para meus instintos, senti-me até confuso na hora em que falei com ela, ao término de seu discurso. Logo após o show, saí obstinado à caça da gostosa militante.
Agora, tenho pretensões de ser um eterno amante. Essa condição não pode de maneira alguma interferir em meus momentos de lazer egocêntricos e incompatíveis com um namoro propriamente dito. Não namoraria Lúcia nessas circunstâncias, momento em que comia Débora: a máxima potência feminina em forma de mulher independente; o pulmão de uma paixão sem precedentes que me fazia gastar R$ 80,00 por semana em motéis. Era como esquizofrenia, esforçava-me para atender às demandas de meus dois eus. Na biblioteca, após a sagrada leitura, fazia massagens em Lúcia, fazia com que se sentisse à vontade comigo, apesar do meu aparente descompromisso. Além disso, beijava sua nuca e dizia que não me sentia são, mas sim louco de desejo, sufocado pelo silêncio do recinto.
Nos fins de semana, o desdobramento era pior, avisava à cada uma o que não podia ser feito em tal dia e marcava algo possível para mim, mediante total controle da situação. Houve um Sábado, porém, em que Lúcia e eu transávamos no carro (eu estava duro) e, pela janela, vi Débora do outro lado da rua, mais à frente, aos amassos com um “coco-boy” típico da Barra da Tijuca. Nunca, em minha vida inteira de aventuras amorosas, havia acontecido algo parecido comigo. Eu me senti o homem mais azarado do mundo, por sentir vontade de fazer um escândalo dali a três metros, mas também com pura necessidade de sentir Lúcia em cima de mim, molhada e canalha, mudando de posição para melhor aproveitarmos o assento, gemendo e gozando em minhas camisinhas. Súbito, inseri-me exatamente na interseção das duas possibilidades: nem saí do carro, nem mantive ereção. Absolutamente indignado, apelei para o canastrão sofredor que chora aos braços da mulher, nesse caso a já saciada Lúcia. Em olhadelas rápidas, vi a mão do “coco-boy” na carnuda e empinada bunda de Débora, e então apressadamente minha respiração falhava e já chorava, compulsivamente. Lúcia vestia-se à fim de me levar para casa; sentia-me mal, achava que estava com febre, e até pedi que me conduzisse ao hospital. Mas, graças à sabedoria de Lúcia, acabei dormindo em casa, em meio ao seu cafuné e inspirado sexo oral. Mais uma vez pensava: “Lúcia eu não posso perder jamais”.
Ao próximo encontro com Débora, senti-me na obrigação de relevar o ocorrido do outro sábado. Eu me vi insensível e baixo perto da estonteante beleza e calorosa receptividade de Débora. Naquela semana, estava em cartaz uma peça teatral na universidade, meu convite foi aceito e, segurando sua mão, fui conduzido até o auditório por aquela mulher que, naquele instante, representava para mim nada mais nada menos do que um imprescindível recarregador de forças; um pulmão indispensável; todo o sentido de estar ainda vivendo contente e tranqüilo. Ao término da peça, almoçamos e emendamos num bar perto da faculdade. Lá, conversamos e, de repente, eu me deparo com a grande bomba: Débora se declara para mim, após ligeiros três chopes. Eu, sóbrio e taciturno, assisti a doce felina emocionar-se ao me dizer “Queria poder estar contigo nestes fins de semana incompletos, cheios de espaço”. Simplesmente pasmei, percebi a sua astúcia, clara estando sua citação as minhas jogadas do fim de semana, em prol da almejada dualidade: Lúcia e Débora, e vice-versa. Acabo de descobrir o quão nobre é o sentimento de Débora, que se permite entender minha extravagância amorosa. Ela é a sincera mostra do que se deve fazer quando a insatisfação aflora: se expor. Ela é a exposição. Eu, ainda chocado, pedi um uísque nacional e a conta. O papo incompleto desacelerou e então me retirei, prometendo refletir; de tanto que a amava naquele momento, sequer a toquei.
Acordo na terça, às treze horas, bêbado, e Lúcia me serve um café esplêndido. Não há como não se envolver profundamente com Lúcia; ela é praticamente completa, no que diz respeito à função da mulher para com o Homem. Sorri, enquanto dança; me beija, enquanto ri, enquanto chora e, durante a cópula, me consome e me usa como se eu fosse o último. Acorda de bom humor e sinto sua leveza. Como eu quero ser feliz ao seu lado! Não precisaria de nenhuma outra mulher, a não ser que não tivesse aparecido Débora, que me fez sentir sua ternura e sensibilidade envolvidas em um corpo esbelto e quente que, de tão quente, me faz esquecer da minha própria alma, de minha mãe, de Lúcia, do meu futuro. Me faz entrar em alfa não só pelo sexo, mas pela plenitude das atitudes, do beijo, do incessante carinho. O que há em nós que encerra-nos o sonho de sermos totalmente felizes?
Aos cúmplices ocasionais, devo meu apoio e apelo: estamos fodidos, porém ainda amados. Já que não podemos ser felizes com uma só mulher, nem com duas, de que nos serve a vida senão para sugar, sugar e sugar a própria? À heresia e ao pecado já nos acostumamos; a caça é um mero pretexto para o sucateamento das nossas constantes relações. Eu aprendi, após anos de dúvidas, que o mais sereno dos amores é o incondicional. Também percebi toda a história do amor e sua evolução, cresci ouvindo que o casamento não servia para nada, além de conceder-nos prosperidade. Também aprendi, já depois de moço, que a vida é a ausência da morte, e vice e versa; porquanto seremos apenas rebanhos, que acham que a vida terrestre é a melhor das estadias. A morte, penso eu, seria uma forma radical de cortar despesas.
Provoquei, então, a morte de Lúcia e Débora, porque não podia amá-las como mereciam. E foram-se rapidamente, sem dores, através do mais objetivo dos venenos: cianoreto. Sou o combalido da estória, mas amei, digo que amo e amarei minhas eternas amantes mais do que a mim mesmo. Prova disso há que ser ouvida ao primeiro estalo, quando, já apertado, o gatilho de meu revólver desencadear o processo de disparo da bala que encerrará a minha curta jornada na Terra. E, mais leve, encontrarei minhas divas, outrora inacessíveis, consolidando nosso amor para além deste plano, carnal e bruto; doentio e hipócrita. Nada mais impuro do que a dualidade, do que a dupla personalidade posta em prática, por devaneio engano. Pois, ao final dos fatos, lhes pergunto: não seria a liberdade a verdadeira essência do amor? Então, Lúcia e Débora, meus amores, sois livres!