- porque dessa fruta eu chupo até o caroço! -

Thursday, February 21, 2008

A natureza dos filhos da puta velha

No fundo, o grande diferencial humano, o que rege a vida de cada ser , é o seguinte: a qualidade sócio-econômica do útero do qual vamos “sair”. Sim, pois dependendo de qual óvulo você fecundar (na competição enquanto espermatozóide sagaz), terá mais ou menos chance de obter algum tipo de capital. É o primeiro crivo natural? Este assunto surgiu na mente de uma trabalhadora madura, “da vida”, pois pensava o quão azarado seria o ser que, gerado por ela, fosse seu filho; estava em fim de carreira, era pobre, possivelmente doente e não tinha perspectivas profissionais pra os próximos 10 anos.

Sua tentativa frustrada de recordar as matizes teóricas da genética a incomodou bastante. Não que fosse uma completa ignorante no assunto, mas apenas se lembrara da condição material de sua família, e também da comparação que estabelecera com suas colegas de trabalho: algumas realmente não precisavam estar ali, pois os pais tinham condições de pagar faculdade e viagens ao exterior. Apesar da sorte no crivo natural, não souberam tirar vantagem. Percebeu o quão alienante é uma crise existencial para uma prostituta beirando os 50 anos. Verificou que se, enquanto espermatozóide, tivesse “entrado” em um óvulo de uma mulher pertencente a uma família de classe média, sua vida profissional teria sido mais promissora.

Sentia-se privilegiada, ademais, por realmente gostar da profissão, ser responsável e assídua, além de nunca ter sofrido graves agressões, tanto ao seu corpo quanto ao seu espírito - fora um vício temporário em crack no início dos anos 90, em São Paulo -, nestes 20 anos (sem trocadilhos, hã!) não tão bem sucedidos de carreira. Isto porque pôde pagar o tratamento de uma doença grave a uma “irmã”; nos anos 80 ter ajudado um irmão viciado, além de ter bancado o funeral da mãe. Mas não possuía herança material ou cultural alguma, se “virou” e conquistou relativa independência, podendo indagar inclusive sobre certas problemáticas científicas, como as vantagens de "adentrar" óvulos de mulheres de classe média, graças ao supletivo que freqüentou aos 30; vinte anos antes de cogitar a hipótese de ser mãe.

Com a idéia veio uma tentativa de se livrar da profissão. Não que achasse desagradável. Como disse: era uma das melhores de sua geração, tendo no currículo (se controlem com as piadinhas...) passagens por Itália, filmes pornôs nacionais e alguns desfiles chiques. A possibilidade de reunir uma quantia em dinheiro, era um mote inconsciente para sair de vez daquela vida, comprar uma casinha no interior e criar seu filho longe da vida bandida urbana. Porém, sentia-se infeliz ao previr o quão difícil seria sustentá-lo e, após uma rápida revisão em genética, se perguntou: eu ficaria triste se fosse filha de uma puta velha em fim de carreira? A resposta não surgiu...

Na rua ao lado do seu apartamento havia uma galeria cujo comércio incluía um sebo. Numa segunda feira chuvosa e parca, se permitiu ler sobre variados temas naquela velha livraria, comprando inclusive um livro chamado “Maternidade e prostituição na terceira idade: dilemas e alternativas para uma melhor condição de vida”, de um sociólogo, transexual e ex-cafetão da Praça Mauá. Naquele ensaio, obteve informações sobre a natureza dos “filhos da puta”, obteve conhecimentos específicos a respeito da putaria na terceira idade (disse o professor do autor, indignado: você que estudar puta velha?! puta velha?!) e, melhor, ganhou confiança para investir em seu projeto de ser mãe.

Ainda sim, pairava em sua mente cansada a injustiça para com o “indivíduo-porra” que invadisse seu óvulo: o bebê nasceria na pobreza imediata, possíveis complicações de saúde futuras - considerando antigos vícios da mãe - e o possível auto-atributo de “filho da puta”. Não obstante, meditava sobre a condição fisiológica de seu útero, levando em conta que que já havia entrado em contato com mais de 2000 caralhos, e por isso temia a impossibilidade de “embuchar”. Estas dúvidas tiraram o sono daquela mulher madura, sacrificara suas mais ambiciosas pretensões maternas e deprimira seus sistemas nervoso e fisiológico, ao ponto de estimular a idéia de entrar em um programa de adoção. Seria difícil conviver com tal projeto? Seria pretensioso? Não somos especialistas no assunto, mas numa coisa todos concordam: azar do espermatozóide que “invadir” um óvulo pobre e desprovido de saúde adequada de uma puta velha em crise existencial. Não?